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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Brincadeiras poéticas

Saudades do meu tempo de infância... Criança
a brincar nas ondas tolas desse mar... amar
aquilo que se foi. Saudades do que virá...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Poemas da amiga - vídeo

Uma homenagem simploria e bela!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Uma ceia, adeus...

 "Em noite de paixão há traidor e traído, existe o amor, e ele dói."


Em noite de paixão servir, calar-se e dar a face a beijos esbofeteados, ou, a bofetadas que estalavam como beijos. Na penumbra os sons fundem-se. Em noite de paixão que não se compreende o mistério. Um enigma que pertence a dois, pertenceu a doze, e pertencerá a quantos mais se dispuserem a vivenciar seus martírios e glórias. Em noite de paixão há traidor e traído, existe o amor, e ele dói. Suspende em plenos ares a certeza que não quer, não pode ser revelada, mas existe e pulsa como o sangue nas veias. Ambos sabem de sua existência, porém a ignoram até o fim. O arcano permeia os últimos olhares durante a ceia, a última de Joana e Tadeu.
A toalha de branco linho posta na mesa. Tadeu em camisa de linho posto a observar tamanha cerimônia. Sentiu-se importante. Observava a rica porcelana dos pratos, arabescos dourados, talheres polidos. Tamanha cerimônia. Da cozinha vinha um cheiro nunca dantes sentindo, que impregnava as narinas, atiçava vísceras e estomago. Tadeu não compreendia o porquê de tanta preparação. Criatura insana, apanha e ainda me agrada, por isso iras ser sempre o que é, um nada, apenas uma mulher. A cada ruminada de pensares e pesares, acreditava-se mais certo, abandoná-la.
A refeição pretexto, cordeiro expiatório da hora derradeira. Um ensejo em que a vítima tornar-se-ia algoz. Jantar a mesa, saboroso como outro antes não houvera entre aquelas partes. Poucas palavras, pratos generosos. Um sorriso surgiu faceiro na face de Tadeu. Joana apenas observava com seu licor a mão. O cálice ganhava tons brilhantes, fulgurais graças ao reflexo do velho lustre da sala. Brindemos a eterna efemeridade dos amores, era o que dizia aquele olhar feminino. As mãos tremulas de quando em quando levavam o garfo a boca. A comida roçava os dentes de um lado a outro, perdurando mais do que deveria para ser engolida. Talvez fosse a falta de apetite, afinal beliscara e provara os pratos durante o preparo, talvez a beleza de Tadeu a deixara farta, suas formas abrutalhadas, suas falas e farsas. Corou-se nesse momento por odiá-lo. Compreendia seu fastígio, era o rancor que latejava em seu interior, preenchendo-a.
O relógio apontou a Tadeu que sua hora aproximava-se, ele grosseiramente limpou os lábios no delicado guardanapo bordado a mão. Dirigiu-se até Joana, bebericou de seu licor, beijou-lhe a testa com carinho, apertando aquele rosto languido entre as mãos. Sorriu, foi tomado por uma sensação adversa que lhe tirava o fôlego, tentou recobrar-se, balbuciou algo. Fitou o relógio, estavam a sua espera. Caminhou até a porta, fez um gesto para abri-la. Joana observava a cena imóvel, fria, não exprimia reações, aquela que muito amou, estava oca. Ela iria a fundo, faria tudo, seria o fim... O fim de uma vida de migalhas, mil falhas e que ela sempre fora tão complacente. Aproximava a hora do sacrifício.
Tadeu voltou-se a ela agonizante. Ela lhe deixou cair uma lágrima, e Tadeu deixo-se cair, sufocado em sua gula, em seus engodos e falatórios. Caiu mais um homem, logrado por quem ele sempre iludiu.

Vanessa Rodrigues
Imagem: Mesa posta (harmonia em vermelho), de Henri Matisse

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Eu sou um pouco de solidão...

... Um pouco de negligência, um punhado de reclamações. Mas não posso evitar o fato de que todos podem ver essas cicatrizes...
Faint - Linkin Park

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Momento

... à amiga Meire força e serenidade para mais esta travessia...

Rua Líbero Badaró, s.d.
Crédito: Eduardo Simões



O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez amapra o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.


Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéis, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia... É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo o céu, paz e alguma primavera.




ANDRADE, Mário de, 1893-1945. Melhores poemas de Mário de Andrade /
Seleção de Gilda de Mello e Souza. - 7 ed. - São Paulo: Global, 2003.

sexta-feira, 26 de março de 2010

De Andrade a Andrade - Lições do Amigo


Trecho de uma das cartas enviadas por Mário de Andrade ao amigo Carlos Drumond de Andrade:

"Só há um jeito de viver a vida: é ter espírito religioso. Explico melhor: não se trata de ter espírito católico ou budista, trata-se de ter espírito religioso com a vida, isto é, viver com religião a vida. Eu sempre gostei muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente."
São Paulo, 10 de novembro de 1924. Mário de Andrade.

sábado, 20 de março de 2010

"[...] Se você ama, ou por outra se já deseja no amor, pronuncie baixinho o nome desejado. Veja como ele se moja em formas transmissoras do encosto que enlanguesce. Esse ou essa que você ama, se torna assim maior, mais poderoso. E se apodera de você. Homens, mulheres, fortes, fracos... Se apodera"

Amar verbo intransitivo
Mário de Andrade

Et verbum

Fui criada sob as máximas cristãs de que Deus habita em tudo e todos, porém, nunca dei o devido crédito a isso, tendo em vista minhas próprias maledicências. Não enxergava Deus em meus pais, tão pouco em irmãos e primos, todos eles, que seja por uma vez, de alguma forma magoaram-me, o que os afastava de qualquer semelhança a idéia que eu nutria do divino. Na escola, não era preciso irmandade, cérebro e estomago bastavam para digerir tudo que me lançavam as fuças, o dito ensino. Entre amigos um belo sorriso, pronto a rir das piadas mais esdrúxulas estava suficiente... Enfim, nada de deus... Porque Ele enquanto verbo habitava no criador e não nas imperfeitas criaturas.

Aos domingos mamãe, sem palavra alguma, mas dizendo tudo me arrastava ao templo para orar. Saber ser grato é uma virtude – dizia ela. E com o propósito de agradecer, dedicávamos longas 2 horas de nosso sagrado descanso. Domingo, trégua da rotina, o dia em que até o Senhor descansou. Enquanto a boca gratificava sem saber o porquê, os olhos procuravam pontos que podiam deixar-se mirar. E inúmeras vezes comoviam-se com o êxtase dos anjos imortalizados em pedra, e na frieza do gesso que deixava mais triste a face dos mártires.

Entretanto, certa vez, a imagem de deus se fez contemplar, pude vê-lo claramente em seu corpo másculo e olhos escuros, cabelos ajeitadamente desgrenhados. Ele também esteve a me fitar, e assim permanecemos pela eternidade que cabe no segundo. Senti meu rosto aquecer, e acreditei ser esse o tal fogo abrasador proveniente do amor Maior. Tentei deixar-me enveredar nos sermões e parábolas, porém, todos os caminhos levavam-me a aquele ser... Não compreendia a atração exercida, e por fim, dei-me o direito de admirar aquela imagem. Sentia o Amor preencher meu corpo vazio de menina, ele era quente e ocupava tudo. Em meu peito o coração acelerava-se como uma criança que saltita para festejar a chegada de alguém especial... Acabará de conhecer e ser invadida por aquele sentimento, um sentimento que só podia ser coisa de deus... Um deus que por tamanha vaidade permitiu a eu apreciar a sua pele alva, seus olhos castanhos. A ponto de nos tornarmos um só. Meu olhar amante, residindo em meu amado. O verbo se fez essência para habitar as minhas entranhas... Consumir-me em seu amor, que de tão divino, caro factum est...


Vanessa Rodrigues

Por que escrevo?

Mário de Andrade
"O estalo veio num desastre da Central durante um piquenique de subúrbio. Me deu de repente vontade de fazer um poema herói-cômico sobre o sucedido, e fiz. Gostei, gostaram. Então continuei. Mas isso foi o estalo apenas. Apenas fizera algumas estrofes soltas, assim de dois em três anos; e aos dez, mais ou menos, uma poesia cantada, de espírito digamos super-realista, que desgostou muito minha mãe. ‘Que bobagem é essa, meu filho?’ – ela vinha. Mas eu não conseguia me conter. Cantava muito aquilo. Até hoje sei essa poesia de cor, e a música também. Mas na verdade ninguém se faz escritor. Tenho a certeza de que fui escritor desde que concebido. Ou antes... Meu avô materno foi escritor de ficção, meu pai também. Tenho uma desconfiança vaga de que refinei a raça..."

Fonte: SENNA, H. República das letras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

Como escrevo?

Mário de Andrade

“Não tenho nenhum plano regular. Escrevo vários livros ao mesmo tempo, é como que me descanso das preocupações dum noutro. Às vezes abandono inteiramente o que estou em via de escrever, para escrever alguma inspiração de momento. Foi o que sucedeu com Macunaíma, por exemplo, escrito numa semana sem parar. Meus livros não se ligam uns aos outros. Quando publico uma obra me desligo completamente dela... Escrevo meus livros só nas horas vagas de minha outras ocupações. No Brasil ainda é raro o escritor que pode viver dos seus próprios livros.

Fonte: LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mario de Andrade: entrevistas e depoimentos. São Paulo: T.A. Queiroz, 1983

Onde escrevo?

Mário de Andrade

"Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para

justificar o que escrevi"

sexta-feira, 19 de março de 2010

Poemas da amiga

A tarde se deitava nos meus olhos
E a fuga da hora me entregava abril,
Um sabor familiar de até-logo criava
Um ar, e, não sei porque, te percebi.

Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança.
Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade
O arcanjo forte do arranha-céu cor de rosa,
Mexendo asas azuis dentro da tarde.

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus amigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.

Mário de Andrade

domingo, 14 de março de 2010

Sob-viver


A gaiola poderia representar segurança, se não fosse destinada a aprisionar uma liberdade.

No compasso de minha rotina levantava-me, e num corre-corre pulava eu de galho em galho para fazer tudo o que esperavam de mim. Dava-me por feliz em ter o dever cumprido e perceber as caras de satisfação dos meus. Vez por outra, os detalhes que desapercebidamente passavam por meus olhos imaturos, tornavam-se motivo para as mais absurdas condenações, e que a pena – sempre – estive a cumprir. Não sentia ódio, não esboçava nenhuma reação... Às vezes aquela teimosa lágrima deixava-se rolar, perdoava-a por esta fraqueza, mas não admitia que ninguém a visse. Não orava, não pedia ao deus por mim, certamente não me daria ouvidos, Ele já havia feito muito dando seu filho, o que mais se poderia querer? Então cantava crente que me espantaria os males, me embalaria o sono, o sonho e assim era sobreviver. Sob-viver...


Vanessa Rodrigues


domingo, 7 de março de 2010

Canção

... de árvores indevassáveis
De alma escusa sem pássaros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
A eterna espera da brisa,
Sem carinhos... como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei.

Era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Ha-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora do amor... que sei!

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viestes
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei.

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me.
Nunca me alegrarei.


Mário de Andrade
Rio, 22 Dezembro 1940