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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Papéis

Há muito tempo não me deparava com papéis, a fim de maculá-los com pensamentos que caberiam a mim somente concebe-los e digeri-los numa tarefa solitária. Até porque sempre fui crente que pensamentos revelados, mostram muito mais do que idéias vans, são pedaços meus que se espalhariam por toda parte, e que talvez não encontrando parentesco em outros, acabariam irmanando-se dos maus, deixando a vista deles as minhas fraqueza. Portanto, recorro à face alva desta folha a fim de aprisionar sentimentos, e deixa-los cá numa eterna incerteza de realização; devaneios, esperanças, iras que das mais distintas formas se apresentam e acabam por receber o mesmo tratamento. São vontades que se mantem intactas, confessadas a tinta, e às vezes sob lágrimas, e que talvez nunca encontrem seu espaço de realização neste mundo conflituoso. Pensamentos tão insolentes e rebeldes, que ofenderiam por demais os demais. Desejos tão ardentes, capazes de consumir noites, mãos, papéis, mas que se deparariam e pereceriam diante de tabus sociais.

Entre papéis, canetas e mãos não há repressão... É uma relação impar, cumplice, que somente quem vivenciou é capaz de encontrar significação em minhas palavras. Somente aquele que já se deixou derramar em letras compreende esta rotina, de ver-se, rever-se, e ter inúmeras oportunidades de se auto avaliar, admirar, condenar, a talvez ao final de tudo destinar todo imbróglio a um sepulcro digno, distante da peçonha alheia. Um lugar no tempo, o esquecimento.

Vanessa Rodrigues

terça-feira, 8 de março de 2011

A repercussão...

Correio Paulista, 29 de janeiro de 1922.

          "Diversos intelectuais de São Paulo, devido à iniciativa do escritor Graça Aranha, resolveram organizar uma semana de arte moderna dando ao nosso público a perfeita demonstração do que é escultura, pintura, arquitetura, música e litratura sob o ponto de vista rigorosamente atual.
          A comissão que patrocina essa iniciativa está assim organizada: Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, [...] René Thiollier [...]
          [...] será aberto o Teatro Municipal durante a semana de 11 a 18 de fevereiro próximo [...]
          Os programas até agora contam com os seguintes nomes:
          Música: Villa-Lobos, Guiomar Novaes, [...] Ernâni Baga [...]
          Literatura: Mário de Andade, Ronald de Carvalho, [...] Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, [...] Guilherme de Almeida [...]
          Escultura: Victor Brecheret [...]
          Pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti [...]
          Arquitetura: A. Moya [...]
          A parte literária e musical será dividia em três espetáculos, contando com o prestígio de Graça Aranha, que fará uma conferência inaugurando a Semana de Arte Moderna. [...]"



In: A. Medina Rodrigues e outros. Op. cit. pág. 61

Semana de Arte Moderna - 1922



São Paulo, fevereiro de 1922.

    A platéia do Teatro Municpal estava repleta de pessoas que naquela noite saíra de suas casas e agora escutava o nobre senhor Graça Aranha explicar-lhes sobre "A Emoção Estética na Arte Moderna", acompanhado de artistas ainda pouco conhecidos que começavam a se firmar como escritores, músicos, pintores, escultores e desenhistas.
     O tal espetáculo teve a duração de três noites, e foi achincalhado pelos adeptos da poesia parnasiana, que vulgarmente denominava o grupo em ascensão de "futuristas".

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Um dos pontos culminates desse evento, talvez  tenha se dado durante a segunda noite, com a leituara do poema Os Sapos, escrito por Bandeira e declamado durante o evento por Ronald de Carvalho é um dos textos que marcaram de maneira significativa este período. Repleto de  uma ironia corrosiva à estética parnasiana, o poema tornou-se uma espécie de hino modernista.


Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


BANDEIRA, Manoel.Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro,
Nova Aguilar, 1986 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Caminhos

*"E sigo. E vou setindo,
[...]
Como um gosto de lágrimas na boca..."
A noite escura cerrou o cintilar das estrelas,
e lua tampouco alumiou,
deixou-se preguiçosa embalar-se nas densas nuvens.
O céu era todo breu. Um negrume sem tamanho,
que somente se compara a solidão de meu olhar...

Um olhar que outrora brilhou inocente
por se inundar na pasmaceira da terra.
Olhos que por vezes flamejaram incandescente
pelo fruto varonil daquele chão.

Mergulhado na penumbra
até o coração se perdeu, e s p e d a ç o u
E teve pedaço que ficou, assentado nos tropeços do caminho,
perdido depois daquela curva, que há de perdurar...
                               
Curva danada, tão acentuada que separa,
                        corpos e coração.
                        Indivíduos que um dia foram retas,
                        sem metas, uniram-se pela efemeridade do momento,
Deram-se as mãos.

Porém estrada é sinuosa, e distante olhar
Já não vês a lágrima que findou aquilo que fomos.
Apenas o pensamento a tentar reparar o que seriamos
Se distância permitisse nossos olhos contemplar.


Imagem: http://joaocalado.net
*Citação: ANDRADE, Mário. Paisagem nº1. In: Paulicéia Desvairada.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Canção

... de árvores indevassaáveis
De alma escura sem passáros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
À eterna espera da brisa,
Sem carinhos... Como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei.

Era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Há-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora o amor... que sei!

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viester
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei.

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me
Nunca me alegrarei.

Rio, 22 de dezembro de 1940

Escrtito durante o período em que Mário de Andrade viveu no Rio de Janeiro, "Canção" pertence ao livro A Costela do Grão Cão, publicado no volume Poesias, de 1941.

A volta

Quando iniciamos nas veredas da escrita, nos predispomos a expor nosso interior, seja ele como for. Por vezes esplêndido, oras triste, porém ai é que consiste a beleza da palavra, transformar até mesmo a mais medonha agonia em arte. A palavra, já dizia Clarice, é o meu domínio sobre o mundo. É uma forma de libertação, uma maneira de aliviar a alma fatigada que muitas vezes não sabe por quais canais se derramar.
O homem por essência é um ser confessional, tem por necessidade extravasar suas emoções. E o verbo enquanto expressão inunda pensamentos, ouvidos, diários, contos, crônicas, livros, jornais e outros tantos veículos como este blog, que destina-se  não somente a ser meu canal de comunicação com o mundo, como também ser transposição efetiva das minhas influências literárias.
E se ainda questionares o por quê de tanta escrita, venha e descubra que através das letras, aquele que um dia foi trezentos, pode ser hoje trezentos-e-cincoenta. Há no ato mágico  de escrever o poder messiânico da multiplicação, da transformação.