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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Caminhos

*"E sigo. E vou setindo,
[...]
Como um gosto de lágrimas na boca..."
A noite escura cerrou o cintilar das estrelas,
e lua tampouco alumiou,
deixou-se preguiçosa embalar-se nas densas nuvens.
O céu era todo breu. Um negrume sem tamanho,
que somente se compara a solidão de meu olhar...

Um olhar que outrora brilhou inocente
por se inundar na pasmaceira da terra.
Olhos que por vezes flamejaram incandescente
pelo fruto varonil daquele chão.

Mergulhado na penumbra
até o coração se perdeu, e s p e d a ç o u
E teve pedaço que ficou, assentado nos tropeços do caminho,
perdido depois daquela curva, que há de perdurar...
                               
Curva danada, tão acentuada que separa,
                        corpos e coração.
                        Indivíduos que um dia foram retas,
                        sem metas, uniram-se pela efemeridade do momento,
Deram-se as mãos.

Porém estrada é sinuosa, e distante olhar
Já não vês a lágrima que findou aquilo que fomos.
Apenas o pensamento a tentar reparar o que seriamos
Se distância permitisse nossos olhos contemplar.


Imagem: http://joaocalado.net
*Citação: ANDRADE, Mário. Paisagem nº1. In: Paulicéia Desvairada.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Canção

... de árvores indevassaáveis
De alma escura sem passáros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
À eterna espera da brisa,
Sem carinhos... Como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei.

Era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Há-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora o amor... que sei!

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viester
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei.

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me
Nunca me alegrarei.

Rio, 22 de dezembro de 1940

Escrtito durante o período em que Mário de Andrade viveu no Rio de Janeiro, "Canção" pertence ao livro A Costela do Grão Cão, publicado no volume Poesias, de 1941.

A volta

Quando iniciamos nas veredas da escrita, nos predispomos a expor nosso interior, seja ele como for. Por vezes esplêndido, oras triste, porém ai é que consiste a beleza da palavra, transformar até mesmo a mais medonha agonia em arte. A palavra, já dizia Clarice, é o meu domínio sobre o mundo. É uma forma de libertação, uma maneira de aliviar a alma fatigada que muitas vezes não sabe por quais canais se derramar.
O homem por essência é um ser confessional, tem por necessidade extravasar suas emoções. E o verbo enquanto expressão inunda pensamentos, ouvidos, diários, contos, crônicas, livros, jornais e outros tantos veículos como este blog, que destina-se  não somente a ser meu canal de comunicação com o mundo, como também ser transposição efetiva das minhas influências literárias.
E se ainda questionares o por quê de tanta escrita, venha e descubra que através das letras, aquele que um dia foi trezentos, pode ser hoje trezentos-e-cincoenta. Há no ato mágico  de escrever o poder messiânico da multiplicação, da transformação.