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terça-feira, 8 de março de 2011

A repercussão...

Correio Paulista, 29 de janeiro de 1922.

          "Diversos intelectuais de São Paulo, devido à iniciativa do escritor Graça Aranha, resolveram organizar uma semana de arte moderna dando ao nosso público a perfeita demonstração do que é escultura, pintura, arquitetura, música e litratura sob o ponto de vista rigorosamente atual.
          A comissão que patrocina essa iniciativa está assim organizada: Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, [...] René Thiollier [...]
          [...] será aberto o Teatro Municipal durante a semana de 11 a 18 de fevereiro próximo [...]
          Os programas até agora contam com os seguintes nomes:
          Música: Villa-Lobos, Guiomar Novaes, [...] Ernâni Baga [...]
          Literatura: Mário de Andade, Ronald de Carvalho, [...] Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, [...] Guilherme de Almeida [...]
          Escultura: Victor Brecheret [...]
          Pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti [...]
          Arquitetura: A. Moya [...]
          A parte literária e musical será dividia em três espetáculos, contando com o prestígio de Graça Aranha, que fará uma conferência inaugurando a Semana de Arte Moderna. [...]"



In: A. Medina Rodrigues e outros. Op. cit. pág. 61

Semana de Arte Moderna - 1922



São Paulo, fevereiro de 1922.

    A platéia do Teatro Municpal estava repleta de pessoas que naquela noite saíra de suas casas e agora escutava o nobre senhor Graça Aranha explicar-lhes sobre "A Emoção Estética na Arte Moderna", acompanhado de artistas ainda pouco conhecidos que começavam a se firmar como escritores, músicos, pintores, escultores e desenhistas.
     O tal espetáculo teve a duração de três noites, e foi achincalhado pelos adeptos da poesia parnasiana, que vulgarmente denominava o grupo em ascensão de "futuristas".

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Um dos pontos culminates desse evento, talvez  tenha se dado durante a segunda noite, com a leituara do poema Os Sapos, escrito por Bandeira e declamado durante o evento por Ronald de Carvalho é um dos textos que marcaram de maneira significativa este período. Repleto de  uma ironia corrosiva à estética parnasiana, o poema tornou-se uma espécie de hino modernista.


Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


BANDEIRA, Manoel.Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro,
Nova Aguilar, 1986